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“Bolinhos, bolinhos… Memórias dos Santinhos”, por José Martinho Gaspar

Água das Casas, onde o Ribatejo deixa de ser e as Beiras começam, anos 70 do século passado. Trinta ou quarenta pirralhos, eu incluído, ouvida a missa de enfiada, que as guloseimas é que fazem valer o dia, já se reúnem no Casal, junto à pia dos burros, e definem atalhos. Está nevoeiro e as mãos arreganham, mas hoje ninguém se lembra disso.

Os maiores seguram sacos e bolsas de trapos, feitas pelas avós, que eles só trazem para a rua uma vez por ano. Os pequenos, ainda com bigodes do café, dão as mãos aos irmãos mais velhos, que os puxam, de má vontade, porque lhes atrasam a passada.

– Bolinhos, bolinhos, à porta dos santinhos! – Já cantam todos, a espreitar para a oferta.

Aqui são broas, é para a taleiga branca, de pano cru, ali tremoços, criados na Esteveira e adoçados no Rabaçal, uma mão bem cheia, que é produto de pouco valor. Já os provam e alguns nem as cascas escolhem, outros, mais fidalgos, dizem-nos salgados.

– Olha, a Ti Francelina dá um pacote de bolacha baunilha. Pra’qui é pra três, p’ra mim e p’ros meus irmãos!

– A Ti Maria dá passas. Não vou lá, quem é que quer passas? Figos secos embolados em farinha tenho eu lá muitos…

– Ó rapazinho – diz o viúvo gasto pelos anos e pela solidão – tu já não tens idade, se no ano que vem cá apareces, dou-te é uma corda para ires ao mato –  e distribui uma moeda grossa de 50 centavos a cada um.

–  Carcaças, papo-secos e tremoços… se alguém desse umas bolachas… olha a sorte, antes tarde que nunca, uma mão cheia de rebuçados, que a Ti Celeste trouxe de Lisboa. Agora vou-me regalar!

Ao fundo, os homens circulam entre as adegas, bem-dispostos, a provar a água pé nova. É dia santo, tempo de esquecer canseiras e dificuldades e de adoçar a boca.

– Bolinhos, bolinhos em louvor dos seus santinhos! Ali peço para quatro, que estão a dar `chicolates´…

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